Se você chegar em seu professor de musculação na academia e perguntá-lo por que o seu músculo dói, com certeza ele irá dizer que é devido às lesões (ou microlesões) causadas pelo exercício. Caso ele seja descritivo irá dizer que a contração causa pequenos machucados no músculo, talvez uma analogia com uma corda sendo tracionada com muita força. Essa é a resposta padrão para a pergunta acima. Mas será que é exatamente assim?
Essa afirmação, por si, não está errada, mas o processo que vemos isso acontecer em nossas mentes está. Pensamos nesse estresse como algo que "arrebenta" as fibras, exatamente igual uma corda que começa a soltar seus pequeno fragmentos teciduais, até o ponto de ficar toda esgarçada.
Um colega, ao qual tenho muito apreço, disse que não sentimos a dor no momento devido ao que ele chamou de "hormônio do estresse" (referindo-se possivelmente ao Cortisol) e isso me fez escrever sobre esse fenômeno já tão bem entendido no meio científico, mas ainda mistificado no âmbito das academias.
Um modelo proposto por Armstrong (1984) e reafirmado por Armstrong, Warren & Warren (1991) diz que com as contrações vigorosas, ocorre um desbalanço estrutural célula muscular, tal dano permite a entrada de íons de cálcio presentes no meio extracelular para a célula muscular. No meio intracelular os íons de cálcio sobrecarregam a mitocôndria (responsável pela respiração celular) e não permitem a retirada do excesso de cálcio, causando a morte celular por anóxia (falta de oxigênio).
Antes de continuar com o processo que irá levar à dor muscular (não é a morte celular que causa a dor), um estudo de Newman et al. (1983) mostrou que imediatamente após o exercício, o tecido muscular apresenta pequenos níveis de lesão, após 24 horas o nível se eleva e atinge o máximo em 48 horas. Já percebeu que após um treino muito forte seu músculo dói mais 2 dias depois do que no dia seguinte ao treino?
Bem, isso ocorre porque a morte celular joga "restos de célula" por todo interstício (espaço entre as células), isso atrai monócitos que irão limpar a área, por assim dizer. Essa resposta é inflamatória e é a inflamação que causa a dor muscular, e essa resposta atingi seu máximo em 48 horas. Por isso que dói depois e não durante.
Pense bem, caso houvesse lesões de fibra mesmo, rompimento, você cairia de dor e não aguentaria continuar. Outro ponto importante, sempre que há uma lesão devido à tensão excessiva (comum em atletas de culturismo e levantamento de peso) o que se rompe é o tendão, romper o músculo pela tensão gerada por ele mesmo é igual tentar estrangular a si mesmo, simplesmente não dá.
Ou seja, não são as lesões que causam a dor, tão pouco elas são causadas pelo estresse mecânico, é a transdução do processo mecânico para químico que gera todo o desconforto.
Nota atualizada (12/10/2014)
Um outro modelo propõe que a morte da célula se dá devido à ativação da Calpaína ( proteinase dependentes de cálcio) e da fosfolipase A2 que age nas proteínas da membrana celular, mas muito pouco nas miofibrilas.
**Nota: Todo o processo descrito acima é relacionado ao treino de hipertrofia clássico, outros modelos de treino que geram hipertrofia também passam pelo mesmo processo, mas a via metabólica pode ser diferente.
Referências:
Armstrong RB. Mechanisms of exercise-induced delayed onset muscle soreness: a brief review. Med Sci Sports Exercise. 1984; 16:529-38.
Armstrong RB, Warren GL, Warren JA. Mechanisms of exercise-induced muscle fibers injury. Sports Med. 1991; 12:184-207
Newman DJ, McPhail G, Mills KR, Edwards RHT. Ultrastructural changes after concentric and eccentric contractions of human muscle. J Neuro Sci. 1983; 61(1):109-22.